A Polícia do MPLA deteve, em Angola, 15.658 cidadãos, durante o estado de emergência devido à Covid-19, entre 27 de Março e 25 de Maio, e 918 pessoas na actual situação de calamidade pública, informou hoje o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, sem referir eventuais números de chocolates e balas (rebuçados como dizem os brasileiros).
Eugénio Laborinho apresentou os números quando discursava na cerimónia que marcou o 41º aniversário do Ministério do Interior, salientando que, no estado de emergência, foram empregues 87.759 efectivos das forças de defesa e segurança, entre os quais 77.278 da Polícia Nacional, e felicitou e encorajou todo o efectivo “pelo empenho”, apesar dos “incidentes registados”.
“No geral, as forças dos órgãos de defesa e segurança garantiram com eficácia a execução das medidas de excepção, durante o período do estado de emergência, resultando na detenção de 15.658 cidadãos, a apreensão de 10.429 viaturas, 20.445 motociclos e 184 armas de fogo de diversos calibres”, referiu Eugénio Laborinho.
Segundo o ministro, no mesmo período foram julgados sumariamente 1.606 cidadãos, encerrados 10.762 estabelecimentos comerciais, 8.013 mercados informais e 2.749 mercados formais.
O titular da pasta do Interior avançou que, durante a actual situação de calamidade pública, entre 13 e 20 de Junho, estão no terreno 27.199 efectivos dos órgãos de defesa e segurança, tendo sido realizadas 33.817 acções de sensibilização, 9.914 policiamentos ostensivos de persuasão, 2.888 barreiras de trânsito e 1.914 dispersões de aglomerações por inobservância das medidas de biossegurança, que resultaram na detenção de 918 cidadãos.
O ministro frisou que as forças vão continuar as suas acções táctico-operacionais focadas no cumprimento das medidas decretadas para a situação de calamidade e no combate à criminalidade em todo o país.
A actuação da polícia durante as várias fases de cumprimento das medidas de prevenção e combate à pandemia da Covid-19 tem sido criticada pela sociedade civil devido ao uso excessivo de força, tendo em conta os vários incidentes envolvendo polícias e cidadãos, que resultaram em várias mortes que, naturalmente, não são imputáveis às forças militares e policias porque, como se sabe, há cidadãos que teimam em voar em direcção às balas disparadas para o ar.
Eugénio Laborinho sublinhou que os efectivos do Ministério do Interior “desde sempre, consentiram muitos sacrifícios em prol do superior interesse da nação e da satisfação das necessidades colectivas”. É verdade. Ao que parece esses sacrifícios datam do tempo em que D. João II era rei de Portugal e deverão continuar até que o MPLA complete 100 anos de governação ininterrupta (só faltam 55).
“Sacrifícios que levaram muito dos nossos compatriotas de trincheira a perderem a vida no cumprimento da missão, pelo que, aproveitamos o momento para honrar os feitos alcançados por eles”, disse Eugénio Laborinho. “De trincheira”, não nos esqueçamos. Por alguma razão, na página oficial do Ministério do Interior na Internet está escrito que Eugénio César Laborinho “com o vasto currículo, no domínio de defesa e segurança, foi a aposta certa para assumir os desígnios do Ministério do Interior”.
De acordo com o ministro, nos últimos três anos, foram registados 129 incidentes, em que efectivos da polícia foram vítimas de disparos de armas de fogo, que resultaram em 37 mortes e 92 feridos.
Não se diga que ele não avisou
Eugénio Laborinho avisou no dia 3 de Abril que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência ao estado de emergência.
Eugénio Laborinho, que falava numa conferência de imprensa em Luanda, após a primeira semana de estado de emergência, decretado em Angola para (supostamente) combater a pandemia provocada pelo novo coronavírus, explicou de forma muito clara e assertiva como, aliás, é seu timbre: “Estamos a aplicar multas, estamos a deter pessoas”.
Entre a acção musculada que é típica do ministro registe-se que até esse dia 1.007 pessoas foram detidas por violação de fronteiras, 183 por desobediência às medidas do estado de excepção, nove por especulação, oito por corrupção e dois por posse ilegal de armas de fogo.
Os detidos por situações de desobediência ou incumprimento do decreto que determina o estado de emergência ficaram em celas “de quarentena” próprias, criadas para o efeito. Presume-se que, nessa quarentena sejam alimentados, o que sempre é melhor do que ser “livre” e estar preso dentro de casa sem… comida.
“Temos estado a actuar em conformidade com a lei e as próprias medidas que vamos tomando dependem do grau de intervenção de cada caso e somos criticados [por isso]”, disse o governante, acrescentando: “A polícia não está no terreno para servir rebuçados, nem para dar chocolates, ela vai actuar conforme o comportamento de cada cidadão ou de cada aglomerado”.
Nem mais senhor ministro. Recordemos as prioridades do seu mandato, por si anunciadas no dia 26 de Julho de 2019. Desde logo o “combate à droga pesada e contra os barões da droga”. “A primeira tarefa é o combate à criminalidade, em matéria de trazer segurança à população. Segundo, ainda no âmbito da criminalidade, é o combate à droga pesada e contra os barões da droga”, referiu.
Na cerimónia de passagem de pasta, Eugénio Laborinho disse que iria analisar e procurar soluções profícuas e breves para os problemas como criminalidade em geral e, em particular, a violenta, o combate ao consumo e tráfico de drogas, a sinistralidade rodoviária, de modos a “cada vez mais garantir ou mesmo devolver aos cidadãos o sentimento de estabilidade, segurança e tranquilidade”.
“A Polícia Nacional, deve continuar a garantir a manutenção da ordem e da segurança pública através da melhoria e da ampliação da rede policial em todo o território nacional, aperfeiçoar e alargar o policiamento de proximidade, estreitando-se a relação de confiança com os cidadãos, devolvendo assim, o sentimento de segurança pública”, referiu Eugénio Laborinho.
Sim. É o mesmo Eugénio Laborinho que, enquanto secretário de Estado do Interior, disse no dia 24 de Fevereiro de 2015 (lembram-se de quem era o Presidente da República?) que o país estava atento ao fenómeno do terrorismo, apesar de não constituir uma preocupação real.
Na altura, o governante de José Eduardo dos Santos falava à imprensa à margem da cerimónia de abertura de um seminário de peritos sobre o Desenvolvimento da Estratégia Integrada de Combate ao Terrorismo e Não Proliferação de Armas Ligeiras e de Pequeno Calibre para África Central, que decorreu em Luanda.
Fazendo referência à vulnerabilidade da fronteira no norte, com as vizinhas República Democrática do Congo (RD Congo) e República do Congo, o então secretário de Estado afirmou que o Governo estava a trabalhar com as forças de segurança angolanas e com as da região de forma preventiva.
“Temos fronteiras vulneráveis com a RD Congo e com a República do Congo, não temos grande preocupação na fronteira com a Namíbia e a Zâmbia [sul], mas temos que estar atentos em todo o limite que é fronteira”, frisou.
“Por isso não há nenhuma preocupação, não há nada que atrapalhe ou que venha a preocupar com relação ao terrorismo no nosso país. Temos estado a trabalhar, as nossas forças estão cada vez mais vigilantes, temos estado a pedir a colaboração da sociedade, sobretudo dos residentes fronteiriços”, acrescentou.
Segundo Eugénio Laborinho, a imigração ilegal era o grande problema do Governo angolano, que “tudo tem estado a fazer para que este fenómeno seja banido”.
Agora, Eugénio Laborinho destaca que as autoridades têm estado a trabalhar no sentido de fazer uma acção pedagógica (certamente na linguagem internacionalmente conhecida por todos e que tem como instrumente basilar o cassetete ou a pistola) e tentar educar de forma a não haver confrontos entre a população e a polícia, mas notou que “a polícia também é filha do povo e precisa de ser acarinhada”.
O governante sublinhou que tem sido observado o comportamento de desobediência ao estado de emergência, que impõe restrições à movimentação de pessoas e proíbe grandes aglomerações, sobretudo na província de Luanda. “Luanda, para nós, é um quebra-cabeças, mas tudo faremos para que a situação se normalize”, sublinhou.
Eugénio Laborinho admitiu um endurecimento das medidas que têm estado a ser tomadas “porque as pessoas continuam teimosas” e “têm de ficar em casa”. Mesmo que seja de barriga vazia, dizemos nós.
Folha 8 com Lusa